Autor: Daniel Pessoa Passaglia
Orientadora: Esp. Tammyse Araújo da Silva

Curso de Ciências Aeronáuticas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás 2016

 

RESUMO: As disparidades entre a estrutura dos cursos para pilotos de avião e as reais necessidades impostas pelo mercado de trabalho, demonstram a fragilidade na formação de recursos humanos de alto padrão para o setor aéreo no Brasil. A análise da situação do ensino-aprendizado para estes profissionais confirma a ineficácia no campo das habilidades não técnicas, aquelas não relacionadas diretamente à operação das aeronaves, como as sociais, gerenciais, de comunicação, de concentração, entre outras. As companhias aéreas evidenciam crescente interesse em contratar pilotos a partir de suas habilidades não técnicas, tendo em vista que as técnicas de voo são conquistadas de forma mais rápida e pragmática, especialmente quando se objetiva operar modernas e automatizadas aeronaves comerciais utilizadas no mercado presente. Para qualificar os pilotos a ingressarem no mercado de trabalho guarnecidos com tais competências, é necessária a inserção de matérias associadas a processos cognitivos mais complexos no currículo da formação básica. Esses ensinamentos estão fundamentados em sistemas de treinamentos altamente difundidos nas empresas aéreas mundiais como o Corporate Resource Management (CRM), Line Oriented Simulations (LOS/LOFT), o sistema de avaliação e criação de currículos para habilidades não técnicas na aviação, NOTECHS, e os treinamentos de Habilidades Sociais (THS) utilizados amplamente por psicólogos e professores. A licença de piloto de tripulação múltipla (MPL), também é exposta como uma solução eficiente, todavia, até o momento não amplamente difundida e viabilizada. A proposta de reformulação do currículo mínimo para o profissional piloto de avião vai além do ensino de qualidade, repercute em todo o sistema de aprendizado do sujeito, já que este, quando qualificado pelos treinamentos aqui propostos, permanece em contínuo compromisso com o saber e o aprender.

Palavras Chave: Habilidades não Técnicas; Ensino Aeronáutico; NOTECHS; CRM; LOFT.

ABSTRACT: The disparities between the structure of airplane pilots courses and the real needs imposed by the market demonstrate the fragility in the formation of high-level human resources for the brazilian air sector. The analysis of the teaching-learning situation for these professionals confirms the ineffectiveness in the field of non-technical skills, those that are not directly related to the operation of the aircraft, such as social, managerial, communication, concentration, among others. Airlines have shown a growing interest in hiring pilots from their level of non-technical skills, given that flight techniques are more quickly and pragmatically accomplished, especially when operating modern, automated commercial aircraft used in the present market. In order to qualify the pilots to enter the market equipped with such competencies, it is necessary to insert subjects associated with more complex cognitive processes in the basic training curriculum. These subjects are based on highly used training systems in global airlines such as Corporate Resource Management (CRM), Line Oriented Simulations (LOS/LOFT), non-technical aviation skill assessment and curriculum system, NOTECHS, and the Social Skills Trainning (THS) widely used by psychologists and teachers. The multi-crew pilot license (MPL) is also exposed as an efficient solution, but has not yet been widely disseminated and made viable. The proposal of reformulation of the minimum curriculum for the professional airplane pilot goes beyond the quality education, it impacts in the whole system of learning of the person, since this one, when qualified by the training proposed here, remains in continuous commitment with gaining knowledge and learning.

INTRODUÇÃO

 As perspectivas do cenário mundial para a aviação expressam uma crescente atenção com o profissional que irá atuar no setor. Neste sentido, as aeronaves de ponta, cada vez mais presentes, requerem recursos humanos condizentes com tal grau de tecnologia. As formações, a princípio, estavam estruturadas em modelos arcaicos de aprendizado, cujo domínio se tratava da técnica. Entretanto, a demanda tecnológica permitiu avançar em novos paradigmas educacionais. Pilotos formados sob a ótica das habilidades não técnicas começaram a eclodir pelo mundo, no entanto, esta não é realidade para muitos contextos nacionais e, por isso, há de se preocupar que os ingressantes na carreira de piloto estejam aptos para áreas epistemológicas não contidas nos manuais de formação.

Ao analisar o âmbito do ensino-aprendizado produzido no Brasil, percebeu-se que há uma carência na formação inicial de pilotos sob a ótica das relações interpessoais. Esse tema deve ser abordado de forma mais profunda, já que a intenção é buscar a excelência nos cursos. A preocupação com uma formação de qualidade motivou essa pesquisa, vez que o currículo mínimo atual, em vigor desde 2004, necessita de modernização, já que as próprias instituições internacionais de aviação civil subsidiam o ensino voltado para as áreas humanas.

Este estudo tem por objetivo apresentar uma possibilidade viável de reformulação da grade curricular atual, mais especificamente, uma emenda ao manual de curso de Piloto Comercial de Avião de forma que as alterações sejam economicamente e estruturalmente viáveis às escolas, que sejam também de rápida implementação e que sirvam como base de aprendizado para alterações mais profundas e que abranjam outras fases da formação no futuro.

A alteração proposta visa trazer aos aviadores profissionais uma formação mais humana para que sejam capazes de atender as reais necessidades impostas pelo mercado de trabalho e pelas próprias competências solicitadas pelas tecnologias embarcadas nas aeronaves comerciais,   principalmente,   capacitando-os   para   adquirir   habilidades   gerenciais,   de comunicação, de autocontrole e de trabalho em equipe. Atualmente, a preocupação com estas habilidades está limitada aos cursos realizados dentro de companhias aéreas, quando o piloto já passou por sua fase de formação profissional primária.

A metodologia empregada no estudo revisa a literatura sobre o tema nos manuais em vigor que regem a formação de pilotos de avião no Brasil, em artigos científicos das áreas da aviação, psicologia e ensino, assim como em livros, revistas e literatura dos órgãos internacionais de aviação civil sobre o tema de ensino aeronáutico e habilidades não técnicas.

Estruturalmente, a pesquisa está sedimentada em 4 seções. A primeira corresponde ao histórico do treinamento de pilotos e apresenta os métodos mundialmente reconhecidos e consolidados para se desenvolver as habilidades não técnicas. O segundo momento, retrata a aplicabilidade dos treinamentos propostos e ferramentas utilizadas pelo setor aéreo. Em seguida, tem-se a análise da formação existente no Brasil, com o intuito de apresentar as deficiências existentes na regulamentação atual. Ao final, sugere-se a proposta de reformulação do currículo baseada nos treinamentos demonstrados.

O trabalho demonstra aos órgãos competentes e profissionais do ensino aeronáutico uma solução viável para a conhecida necessidade de se treinar pilotos para além dos conhecimentos técnicos específicos da área, a fim de que eles adquirirem habilidades não técnicas, antes mesmo de ingressarem no mercado profissional, onde serão, muitas vezes, selecionados e filtrados baseando-se nestas aptidões.

Evolução do treinamento de Pilotos de Avião

Relatado historicamente por Cameron (1999), a formação profissional de pilotos de avião tem origem no início do século XX, principalmente pela demanda imposta na Primeira Guerra Mundial. Do advento do avião até meados de 1916, os cursos para capacitação de pilotos foram puramente práticos, onde a teoria era ministrada em hangares ou dentro das próprias aeronaves, comumente sem critério ou padronização.

A partir de uma análise aos registros da International Civil Aviation Organization (ICAO), é possível compreender que a aviação civil só obteve padronização de ensino a nível internacional após a Convenção de Chicago em 1944 e a publicação de seu Anexo 1, em 1948: Licença de Pessoal. Desde a publicação do Anexo pouco se alterou na estrutura de ensino, conteúdos abordados, didáticas em salas de aula, na aeronave e em materiais didáticos (HODGE, 2016).

De acordo com Helmreich (2010), até meados da década de 1970, atingir bom conhecimento técnico do voo e das aeronaves e desenvolver as habilidades motoras suficientes para operar um avião em nível satisfatório era o objetivo principal. Todavia, a partir deste período foram desenvolvidos, dentro de algumas companhias aéreas e organizações militares, treinamentos mais completos com o objetivo de desenvolver habilidades não técnicas. O primeiro treinamento utilizado em nível global desta natureza foi o Cockpit Resource Management (CRM) – hoje, Corporate Resource Management – aplicado por companhias aéreas e organizações militares para aumentar o nível de segurança de suas operações.

CRM e os fatores humanos

Os fatores humanos podem ser entendidos como uma ciência aplicada a pessoas trabalhando em conjunto e operando equipamentos. Eles abrangem um grande conjunto de áreas da ciência, com destaque para: Psicologia, Fisiologia, Sociologia e Engenharia (HELMREICH, 2010). Para Martin (2001), na aviação, os fatores humanos dizem respeito a vários asspectos, dentre eles: o comportamento do piloto em voo, sua capacidade de tomada de decisão e de interagir bem com membros da equipe, a compreensão de pilotos perante os equipamentos disponíveis a bordo, a interação com o layout do cockpit, a comunicação entre os pilotos e controladores de voo, a orientação situacional e o entendimento dos softwares da aeronave.

O treinamento de CRM, segundo Helmheich (2010), é a aplicação prática dos fatores humanos nos sistemas da aviação, ou seja, ele tem a função assimilar as teorias aprendidas para que o piloto seja capaz de, numa situação real, aplicar seus conhecimentos. A diminuição da probabilidade de erro humano é também um ponto chave nos resultados de um treinamento desta natureza.

LOFT, a aplicação do CRM

O CRM é comumente aplicado aos pilotos durante treinamentos de voo de linha orientada, conhecido mundialmente como Line Oriented Flight Training (LOFT) ou Line Oriented Simulations (LOS). Este método é baseado no uso de simulação de situações que podem ser encontradas durante o voo, com o uso de simuladores de voo (HODGE, 2016).

Helmreich (2010) elucida que os simuladores de voo já são utilizados de forma padronizada desde 1929 no treinamento de pilotos. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, dispositivos de solo para treinamento de pilotos foram usados de forma intensiva para a aceleração e diminuição de custos na formação de combatentes aéreos. Tradicionalmente, o treinamento em simuladores era focado em desenvolver habilidades técnicas de voo de forma individual, porém, com a percepção da necessidade de se desenvolver uma boa capacidade de se trabalhar em equipe, gerenciar uma cabine dentre outras habilidades não técnicas, a simulação de voo ganhou novas funções, principalmente no início dos anos de 1990.

O avanço tecnológico no desenvolvimento de simuladores, atingiu uma qualidade na operacionalidade, na fidelidade dos comandos de voo das aeronaves, na simulação realística de navegação e comunicação e no desenvolvimento de efeitos visuais, que possibilita o treinamento simulado muito próximo da realidade do voo, permitindo a instrução não somente para os sistemas da aeronave, mas também a aptidão para a tomada de decisões corretas, liderança e gerenciamento de recursos da cabine (HODGE, 2016). Estes avanços também levaram a criação do LOFT e, mais tarde, a inserção do CRM e treinamento de habilidades não técnicas.

O LOFT é um treinamento em simulador de voo, estruturado em um cenário complexo e realístico que possua uma linha operacional clara e concisa com os objetivos a serem atingidos (HARRIS, 2011). Utilizado desde o fim da década de 1980 nas empresas aéreas, ele ainda é a base de treinamento inicial e recorrente de pilotos em aeronaves complexas e, sua aplicação, em conjunto com o CRM, é a forma mais divulgada para o exercício das habilidades não técnicas na aviação (HODGE, 2016). Entretanto, existem outros treinamentos mais abrangentes para otimização dos fatores humanos, em crescente aplicação no campo aeronáutico, dentre eles o Treinamento de Habilidades Sociais (THS).

THS, treinamento de habilidades sociais

Dentre as habilidades não técnicas mais relevantes necessárias aos pilotos de avião estão as habilidades sociais (MARTIN, 2001). Estas habilidades são caracterizadas pelo comportamento humano frente a situações em que existem interações com outros indivíduos. Pessoas com habilidades sociais bem desenvolvidas são capazes de expressar sentimentos, opiniões, se comunicar e agir de forma eficaz, não criando atritos ou falta de entendimento. (PUREZA, 2012).

Conforme Murta (2005), o treinamento de CRM é uma forma específica para o exercício das habilidades sociais (THS), já que trata do desenvolvimento das aptidões necessárias para uma interação humana eficaz dentro do cockpit, porém, apresenta limitações. O conjunto ou repertório de habilidades sociais de um indivíduo pode ser desenvolvido naturalmente ao longo de sua vida, todavia, é comum encontrar falhas e déficits neste processo, o que pode causar grande impacto na vida pessoal e profissional e, por isso, ao longo da última década, vários treinamentos completos e complexos foram criados para desenvolver tais habilidades, sendo o THS um dos mais amplamente explorados.

O THS é normalmente praticado em grupos e se inicia a partir de uma análise comportamental dos participantes para identificar seus maiores déficits em habilidades sociais. O arquétipo de treinamento para aplicação do THS pode variar, mas é comum utilizar modelos cognitivos-comportamentais para psicoterapia em grupo, sempre com o auxílio de ferramentas práticas, em que os participantes sejam altamente ativos (PUREZA, 2012).

Murta (2005) evidencia que os temas mais abordados pelo THS são: ansiedade e técnicas para seu controle, habilidades de se manter uma conversação eficaz, formas de se expressar positiva e negativamente, controle da agressividade, técnicas de tomadas de decisão, habilidades de expressar empatia e afeto, habilidades de colocação de opinião, habilidades de lidar com ansiedade e raiva de outros, entre outros.

Uma das características fundamentais deste treinamento é a utilização de simulação prática de eventos ou problemas e o ensinamento de técnicas claras para sua resolução, como os realizados pelo CRM na aviação, porém, com abordagem mais ampla. Um exemplo de técnica oferecida por THS é no controle de ansiedade. Por meio de um exercício são ensinadas e treinadas técnicas de respiração diafragmática para controlar os batimentos cardíacos e diminuir a atividade cerebral excessiva e a hipervigilância, levando à diminuição do quadro de ansiedade e estresse do indivíduo (PUREZA, 2012), sendo uma técnica possível de se utilizar com eficácia, por exemplo, por pilotos durante situações críticas em voo.

As habilidades não técnicas na aviação

 Conforme Hodge (2016), antes mesmo da ICAO e de agências reguladoras regionais, os pioneiros nos estudos e aplicação de treinamentos voltados às habilidades não técnicas em pilotos de avião foram as próprias companhias aéreas durante a década de 1970, com o objetivo de melhor preparar seus pilotos para aumentar o nível de segurança e eficiência das operações aéreas.

Encontra-se, em companhias aéreas internacionais, Lufthansa, KLM e Air France, um padrão de objetivos e de estrutura para se realizar e avaliar treinamentos de habilidades não técnicas baseados nos chamados marcadores comportamentais ou behavioral markers. Estes marcadores referem-se a um conjunto pré-escrito e pré-analisado de comportamentos humanos que indicam algum aspecto da performance e são de grande importância para criar parâmetros concretos nos treinamentos de habilidades não-técnicas (HODGE, 2016).

Flin et al. (2003), diz que 1996 a organização europeia de autoridades da aviação civil, Joint Aviation Authorities (JAA), criou um projeto com o objetivo de estudar e desenvolver padrões nos treinamentos de habilidades não-técnicas, em especial o CRM, utilizando-se dos marcadores comportamentais como base para definição de parâmetros. A meta era desenvolver um padrão para diminuir as diferenças entre os treinamentos e avaliações de CRM aplicados internamente pelas companhias aéreas associadas a JAA. O resultado deste projeto, alcançado em 1998, foi uma nova estrutura de referência para treinamentos chamada Non-Technical Skills (NOTECHS). O desenvolvimento do sistema NOTECHS, realizado durante dois anos, de 1996 a 1998, foi composto por três fases descritas a seguir, no Quadro 1:

Quadro 1: NOTECHS, Fases de Implementação.

Fase Participantes Método Resultados
Primeira Pesquisadores convocados   pela                      JAA, dentre eles: Psicólogos, pedagogos,    médicos    e profissionais dos setores de segurança de voo dos institutos europeus. Revisão de sistemas e padrões já existentes para treinamentos                                       de habilidades não técnicas para se determinar uma base para desenvolvimento do sistema. Definição de que um novo sistema deveria ser criado a partir do zero, não se utilizando outros como base, por falta de padronização e

critério daqueles que já existiam na Europa.

Segunda Pesquisadores convocados   pela    JAA: Psicólogos,           pedagogos, médicos e profissionais dos setores de segurança de       voo    dos    institutos

europeus.

Revisão de literatura: aeronáutica, habilidades não técnicas, psicologia, recursos humanos, relações humanas, comunicação, pedagogia, dentre outros. Criação de uma base teórica para sustentar a criação do novo sistema de referência para habilidades não técnicas.
Terceira Pesquisadores convocados   pela    JAA, pilotos         e         outros profissionais     do    setor aeronáutico pertencentes as companhias: KLM, Air France, RLD e Lufthansa. Debates com especialistas de segurança de voo e pilotos com grande experiência para se definir as habilidades e competências do campo não técnico para pilotos de

avião.

Estruturação de um novo sistema de referência              para

treinamentos não técnicos de pilotos: Non-Technical Skills (NOTECHS).

Fonte: (FLIN et al., 2003)

 

O resultado deste projeto, alcançado em 1998, foi uma nova estrutura de referência para treinamentos chamada Non-Technical Skills (NOTECHS). Este sistema ainda é atualmente utilizado por companhias aéreas europeias e autoridades aeronáuticas como o padrão, e tem se mostrado eficiente desde o início de sua utilização (FLIN et al., 2003). Para se desenvolver este sistema, a JAA convocou equipes de profissionais de quatro centros de pesquisas aeronáuticas europeus: German Aerospace Center (Alemanha), Institut de Médecine Aérospatiale (França), Netherlands Aerospace Centre (Holanda) e University of Aberdeen (Reino Unido).

O sistema NOTECHS

De acordo com Flin et al. (2003), o sistema de referência NOTECHS consiste em grupos de habilidades não técnicas necessárias aos pilotos de avião. Este sistema instituiu uma padronização tanto no treinamento quanto na avaliação destas habilidades dentro de empresas aéreas. O sistema é apresentado em forma de quadros com quatro categorias gerais: cooperação, liderança/habilidades gerenciais, consciência situacional e tomada de decisão. Dentro de cada categoria existem elementos que representam cada habilidade não técnica, por exemplo, dentro da categoria Cooperação existem quatro elementos em destaque, dentre eles Consolidação e manutenção de equipes. Isto significa que a habilidade de se criar e manter equipes é necessária ao piloto de avião em sua atuação profissional, devendo esta habilidade ser treinada e avaliada por programas de capacitação. O Quadro 2 demonstra a estrutura do sistema NOTECHS:

 

Quadro 2: NOTECHS, Categorias e elementos.

Categorias Elementos
1.Cooperação 1.1- Consolidação e manutenção de equipes 1.2- Consideração com os demais

1.3- Apoio aos demais

1.4- Resolução de conflitos

2. Liderança e habilidades gerenciais 2.1- Uso da autoridade e assertividade

2.2- Fornecimento e manutenção de padrões 2.3- Coordenação e criação de planejamentos

2.4- Gerenciamento da carga de trabalho

3.Consciência Situacional 3.1- Consciência dos sistemas da aeronave 3.2- Consciência do ambiente externo

3.3- Consciência do tempo

4. Tomada de decisão 4.1- Definição e diagnóstico de problemas 4.2- Geração de opinião

4.3- Avaliação de risco e seleção de opções 4.4- Avaliação dos resultados

Fonte: (FLIN et al., 2003)

Os elementos apresentados pelo Quadro 2, por si só, formam referências para se estruturar treinamentos, porém, são demasiadamente subjetivos para auxiliarem a avaliação do desempenho daqueles participantes de um programa de capacitação em habilidades não técnicas (HODGE, 2016).

Por este motivo, um terceiro quadro, Quadro 3, foi desenvolvido com base em marcadores comportamentais para apresentar as práticas boas e ruins referentes a habilidade a qual se deseja avaliar. Na habilidade de Consolidação e manutenção de equipes, item 1.1 – Quadro 2, por exemplo, o participante do treinamento deve ser capaz de estabelecer um ambiente/clima favorável a uma comunicação aberta com outros membros da tripulação, não bloqueando esta comunicação, conforme apresentado no Quadro 3:

 

Quadro 3: NOTECHS, marcadores comportamentais.

Elementos Práticas boas Práticas ruins
Consolidação e manutenção de equipes Estabelece     ambiente/clima     para comunicação aberta Bloqueia a comunicação aberta
Encoraja colocações e feedback dos

demais

Mantém barreiras entre membros da

tripulação

Não compete com os demais Compete com os demais
Consideração com os demais Toma conhecimento das sugestões feitas por outros membros da tripulação, mesmo que não

concorde.

Ignora sugestões de outros membros da tripulação
Leva em consideração a condição dos outros membros da tripulação Não leva em consideração a condição dos outros membros da tripulação
feedbacks individualmente Não apresenta reações/feedback a outros membros da tripulação
Apoio aos demais Ajuda outros membros da tripulação em situações exigentes Hesita em ajudar outros membros da tripulação em situações exigentes
Oferece assistência Não oferece assistência
Resolução de conflitos Mantém a calma durante conflitos interpessoais Reage exageradamente em conflitos interpessoais
Sugere soluções para conflitos

 

Concentra em o que está certo e não quem está certo

Mantém sua própria posição sem considerar uma conciliação

Acusa outros membros da tripulação de cometer erros

Fonte: (FLIN et al., 2003)

A seleção de pilotos baseada em habilidades não técnicas

De acordo com Harris (2011), os fatores humanos são considerados os mais importantes e também os mais complexos e vulneráveis componentes de qualquer sistema da aviação. Com base neste conhecimento, as empresas aéreas têm, de forma crescente, buscado selecionar profissionais com perfis psicológicos e comportamentais mais adequados. De acordo com Ruff-Stahl (2016), o investimento em uma pré-seleção psicológica efetiva de candidatos possui custos menores do que a necessidade de se demitir pilotos de comportamento ou capacidade incompatível com as exigências da empresa durante o treinamento ou até mesmo quando já efetivado na escala de voos.

Goeters (2004) descreveu e classificou, através de uma pesquisa realizada com 141 pilotos da companhia aérea alemã Lufthansa, as habilidades mais essenciais para o emprego de piloto de linha aérea. Elas foram classificadas em quatro categorias de importância: abaixo do normal, normal, relevante e altamente relevante. Das oito classificadas como altamente relevantes, seis são associadas às habilidades não técnicas: uso efetivo do tempo, orientação espacial, resistência ao estresse, cooperação, comunicação e capacidade de tomada de decisões; e dois relacionados às habilidades técnicas: capacidade de leitura de mapas e controle de razão de subida/descida da aeronave. Notadamente, 77% dos pilotos entrevistados classificaram “interatividade e habilidades sociais” como a área de habilidades mais pertinente.

Ruff-Stahl (2016) afirma que as empresas aéreas focam primeiramente nas habilidades não técnicas para realização de seleção de pilotos e que isso demonstra que existem falhas no modelo tradicional dos cursos de formação de pilotos, que possuem currículos voltados quase que exclusivamente às habilidades e conhecimentos técnicos.

Análise da formação de pilotos

 A partir de uma análise aos manuais de cursos de Piloto Privado de Avião e Piloto Comercial de Avião, compreende-se o processo básico de formação dos pilotos civis por meio de quatro cursos ou treinamentos descritos a seguir estabelecidos pela ANAC (2016a;b).

Curso teórico, ou Ground School, para obtenção licença de piloto privado. Nele, são estudadas as matérias cujos conteúdos versam sobre conhecimentos técnicos das aeronaves, meteorologia, teoria de voo, regulamento de tráfego aéreo, navegação aérea, medicina de aviação, combate ao fogo em aeronave, a aviação civil, regulamentação da aviação civil, o piloto privado e segurança de voo. Dentre estas, apenas os conteúdos de segurança de voo abordam e desenvolvem, de certa forma, alguns aspectos das habilidades não técnicas, representando apenas 4% do total da carga horária do curso.

O curso Prático de Piloto Privado de Avião, consiste em um mínimo de 40 horas de voo em aeronave monomotora realizando voos visuais. Esta fase do treinamento visa capacitar os alunos para a operação solo da aeronave, ao ensinar e avaliar continuamente o aluno em 66 quesitos técnicos como a decolagem, a subida, a fraseologia, o planejamento de voo e a arremetida no ar. Nenhuma habilidade não técnica é citada no manual deste curso como habilidade ensinada e avaliada.

Já o Teórico de Piloto Comercial de Avião visa capacitar os alunos para a atividade profissional e para o curso prático de piloto comercial e voo por instrumentos. Conta com 15 matérias divididas em 5 básicas, 5 técnicas e 5 complementares. Dentre os conteúdos propostos, apenas a matéria de segurança de voo apresenta relação com as habilidades não técnicas e fatores humanos, representando somente 1,8% da carga horária do curso.

Para o curso Prático de Piloto Comercial e Voo por Instrumentos (IFR), os requisitos ensinados e avaliados são semelhantes aos exigidos pelo Piloto Privado, entretanto, acrescidos das técnicas necessárias à realização do IFR e do voo em aeronave multimotora. Novamente, as habilidades não técnicas e fatores humanos não estão entre os quesitos diretamente avaliados.

De acordo com a IATA (2015), em continuidade ao processo de profissionalização do piloto de avião, a forma mais comum consiste, normalmente, na captação de horas de voo como piloto em comando ou como segundo em comando na aviação geral ou táxi aéreo, até o acúmulo de experiência necessário para concorrer a vaga de piloto de linha aérea. Quando ingressa em uma companhia aérea, em seu treinamento interno, o piloto realiza cursos específicos da aeronave que irá operar, além de cursos voltados à operação de tripulação múltipla, CRM e outros com alta carga direcionada às habilidades não técnicas. A obtenção da licença de Piloto de Linha Aérea (PLA) é possível a partir de, no mínimo, 1500 horas de voo de experiência, e por isso, não é abordado neste trabalho como parte da formação básica.

Apesar dos manuais brasileiros não fazerem menção direta às habilidades não técnicas, o Anexo 1 da ICAO apresenta desde 1998 referências ao Manual de Treinamento em Fatores Humanos (Doc. 9683) como guia para se desenvolver treinamentos voltados a performance humana, CRM, LOFT, entre outros (ICAO, 2011). O Anexo 1, porém, somente citava a necessidade direta de se treinar e avaliar habilidades não técnicas para a Licença de Piloto de Linha Aérea (PLA) e para as Habilitações de Type Rating ou Habilitações de aeronaves Tipo, não sendo evidenciadas suas necessidades para os treinamentos, licenças e habilitações iniciais. Em 2006, com a publicação da décima edição do Anexo 1, a ICAO apresentou sua primeira intenção de qualificar pilotos, desde o início da formação, com foco direto em fatores humanos com a criação da nova Licença de Tripulação Múltipla (MPL).

A Licença de Piloto de Tripulação Múltipla

Com a noção da necessidade de mudanças na formação de pilotos, a ICAO apresentou em novembro de 2006 a possibilidade de uma nova licença para pilotos civis: a Licença de Piloto de Tripulação Múltipla (MPL) (IATA, 2015). De acordo com Hodge (2016), a MPL é uma modalidade de licença que visa encurtar e melhorar a qualidade da formação de pilotos, utilizando-se das habilidades não técnicas como base do treinamento. Esta licença substitui as tradicionais licenças de Piloto Privado de Avião e Piloto Comercial de Avião para aqueles que desejam prosseguir para a carreira de Piloto de Linha Aérea.

A MPL é o estado da arte em programas de treinamento inicial de pilotos de linha aérea, integrando desde os cursos mais básicos aos mais avançados – Type Rating – com foco contínuo em tripulação múltipla. O objetivo é “começar com o fim em mente”: o copiloto de linha aérea qualificado – pronto para operação, com o objetivo final de se tornar comandante após preencher todas as qualificações regulatórias e da companhia aérea (IATA, 2015, p. 6).

A MPL é uma licença especial para formação direta de pilotos de linha aérea, sem que estes tenham a necessidade de passar pelo treinamento tradicional. Com este foco específico o aluno, desde o início, passa por treinamentos de CRM, treinamentos de habilidades sociais e outras habilidades não técnicas, utilização intensiva de simuladores de voo de aeronaves complexas, conteúdos voltados a operação de aeronaves a jato, eletrônica, automação, voo por instrumentos, e as demais matérias básicas (HODGE, 2016).

O Anexo 1 da ICAO (2011) estabelece que para a obtenção da licença de MPL o candidato deverá possuir certificado médico aeronáutico de primeira classe para piloto de linha aérea e realizar com aprovação os cursos teóricos e práticos homologados, com experiência mínima de 240 horas de voo, das quais no mínimo 35 horas devem ser realizadas em aeronave, o restante em simuladores de voo certificados.

Apesar do mínimo de horas de voo estipulado para a Licença de Piloto de Tripulação Múltipla, a ICAO não estabelece o conteúdo dos cursos, matérias, manobras a serem realizadas, cargas horárias, tipos de avaliações, e outros, deixando a cargo da instituição de ensino apresentar um programa de treinamento, baseado em competências, que seja de eficiência comprovável, onde o aluno demonstre ao final do curso todas as habilidades e competências necessárias para se tornar copiloto de linha aérea qualificado. O piloto formado por um programa de MPL de uma determinada companhia aérea estará apto a ocupar a função de copiloto apenas naquela companhia especificamente (HODGE, 2016).

Até dezembro de 2015 existiam 31 programas de MPL aprovados no mundo, possuindo 1.296 graduados e 3.450 alunos em formação. Empresas aéreas como a Air Asia, Swiss, Air China, EasyJet, Qatar Airways, ANA, JAL, Virgin Atlantic e Etihad já adotam este sistema de treinamento. O treinamento homologado MPL oferecido pela companhia aérea Etihad, dos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, é composto por 5 fases, todas realizadas nos estabelecimentos da própria empresa. O curso possui em média 1.340 horas-aula de treinamento teórico e 350 horas de voo em simuladores e aeronaves e leva em torno de 20 meses para ser concluído (IATA, 2015).

Apesar da licença de MPL existir a uma década, no Brasil e na maioria dos países membros da ICAO não existem cursos homologados ou em homologação, e o grande fator responsável, de acordo com Ruff-Stahl (2016), é a dificuldade da companhia aérea de implementar, homologar e manter cursos e centros de treinamentos próprios, já que isto é papel primário das escolas de aviação e não de operadores aéreos. A maioria das empresas aéreas do mundo, 237 das 268 registradas pela IATA, ainda utilizam-se do método tradicional de contratação de pilotos, selecionando profissionais previamente capacitados e licenciados, para apenas treiná-los para operar a aeronave na qual irão atuar, seguindo os padrões operacionais da companhia (IATA, 2015).

Compreende-se, por estas questões, que a licença de MPL é um avanço válido, porém, não aplicável e nem viável a todos contextos da aviação mundial, devendo-se também analisar e reformular os currículos atuais aplicados pelas escolas de aviação e fiscalizado pelos dos órgãos reguladores de aviação civil no mundo, principalmente pelo déficit no campo das habilidades não técnicas.

Proposta de reformulação

Propõe-se adicionar, junto ao Manual de Curso de Piloto Comercial – Avião, um novo grupo como componente da Grade Curricular na Parte Teórica para as Áreas Curriculares, a Não Técnica, em que serão inseridas 3 disciplinas relevantes para a aquisição das habilidades cognitivas mais complexas: Gerenciamento de Recursos de Cabine (CRM), Treinamento de Habilidades Sociais (THS) e Simulação de Linha Orientada (LOS).

Gerenciamento de Recursos de Cabine (CRM)

O objetivo desta disciplina será apresentar os conceitos do CRM para que os alunos compreendam desde o início de sua formação os conceitos de se voar em tripulação múltipla, dividindo tarefas no cockpit de forma eficiente em situações normais, anormais e em emergências. Seus conteúdos complementam e implementam o THS para utilização de suas ferramentas dentro do ambiente aeronáutico. Propõe-se a implementação da disciplina baseando-se nos elementos curriculares mínimos da Instrução de Aviação Civil 060-1002A: Treinamento de Gerenciamento de Recursos de equipes (DAC, 2005), dividindo-se o conteúdo em 5 aulas de 2 horas, totalizando uma carga horária mínima de 10 horas, de acordo com o Quadro 4.

 

Quadro 4: Proposta de conteúdo curricular CRM.

ÁREA CURRICULAR: NÃO TÉCNICA
DISCIPLINA: GERENCIAMENTO DE RECURSOS DE CABINE (CRM)
UNIDADE: RECURSOS DE CABINE CARGA HORÁRIA: 10h-a
AULA Nº SUBUNIDADES OBJETIVOS ESPECÍFICOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
 

1

 

Conceitos

·  Compreensão dos processos de comunicação e tomada de decisão dentro do ambiente da

cabine.

 

1.1

1.2

 

Processo de comunicação.

Processo e técnicas de tomada de decisão.

 

2

·  Compreensão das melhores práticas de se formar e manter equipes coordenadas. 1.1

1.2

Formação e manutenção de equipes. Relacionamento em tripulação múltipla.
 

3

·  Compreensão dos fatores que influenciam o desempenho e a performance individual durante o

voo.

 

1.1 Fatores individuais, estresse e seus efeitos no desempenho.

 

4

·  Entendimento da filosofia da automação e pilotos automáticos. 1.1

1.2

Automação presente em aeronaves.

Piloto automático, capacidades e limitações.

5 ·  Análise e compreensão dos fatores que levam ao erro. 1.1 Conceitos do erro.

Fonte: (AUTOR, 2016)

Deve-se considerar que a matéria de CRM proposta é de caráter teórico-expositivo, onde a fixação plena do seu conteúdo deverá ser realizada no treinamento em simuladores de voo com casos práticos, que será realizada na terceira matéria proposta: Simulação de Linha Orientada (LOS).

Treinamento de Habilidades Sociais (THS)

Os conteúdos sobre THS serão essenciais para a avaliação e desenvolvimento dos alunos no aspecto comportamental. Deverá ser lecionada por psicólogo qualificado que irá individualmente traçar o perfil de cada aluno e em grupo realizar treinamentos de habilidades sociais. Pureza (2012), apresentou o resultado de um programa de THS bem sucedido em universitários, em que os participantes demonstraram significativa melhoria das habilidades sociais em um período de 10 semanas, com 20 horas totais. A disciplina de THS irá seguir os mesmos moldes dos estudos citados, com um total de 20 horas-aula, divididas em 10. A seguir, o Quadro 5 apresenta a disposição dos conteúdos referentes ao THS por aula lecionada, em consonância com o Manual de Curso para Piloto Comercial.

 

Quadro 5: Proposta de conteúdo curricular THS.

ÁREA CURRICULAR: NÃO TÉCNICA
DISCIPLINA: TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS (THS)
UNIDADE: RELAÇÕES INTERPESSOAIS                                                                           CARGA HORÁRIA: 20h-a
AULA Nº SUBUNIDADES OBJETIVOS ESPECÍFICOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
 

1

 

Conceitos

·   Compreender os conceitos básicos de Habilidades Sociais e Treinamento de Habilidades

Sociais.

 

1.1 Aplicação dos inventários e apresentação dos conceitos de HS e THS.

 

2

·  Compreender os conceitos e ser capaz de aplicar técnicas de controle de ansiedade. 1.1 Conceitos relativos à ansiedade (ex.

hipervigilância) e técnicas de controle de ansiedade (ex. respiração diafragmática)

3 ·  Compreender as bases dos relacionamentos interpessoais. 1.1 Comportamentos envolvidos nas HS e importância do comportamento não-verbal.
 

4

·  Compreender os conceitos e os

efeitos das emoções ligadas a agressividade.

1.1 Conceitos de assertividade, passividade e agressividade.
 

5

Técnicas e Práticas ·   Desenvolver habilidades de comunicação e conversação. 1.1      Técnicas de iniciar, manter e encerrar uma conversação.

1.2      Exercícios práticos de conversação.

 

 

6

 

·   Desenvolver habilidades de colocação de opinião e recusa sem geração de conflitos.

1.1              Técnicas de defesa dos direitos, fazer e recusar pedidos, expressar desagrado e dizer não.

1.2              Exercícios práticos de discussão controlada.

 

7

·  Desenvolver habilidades de

demonstrar afeto e lidar com o desafeto e raiva do outro.

1.1 Técnicas de se expressar afeto e empatia, de expressar sua opinião e de lidar com a raiva do

outro.

 

8

·  Desenvolver habilidades de tomada de decisão, análise e

resolução de problemas.

1.1 Técnicas de tomada de decisão e resolução de problemas.
 

9

·  Desenvolver habilidades de

controle ao pronunciar em público.

1.1 Prevenção à recaída e exposição em falar em público.
 

 

10

·  Reaplicar e fixar conteúdos aprendidos durante o curso. Incentivar a continuidade do treinamento e do aprendizado das

habilidades sociais.

 

1.1 Reaplicação dos instrumentos, avaliação e fechamento dos encontros.

Fonte: (AUTOR, 2016)

Como evidenciado por Pureza (2012), treinamentos para habilidades não técnicas como o THS devem ser realizados a partir de aulas práticas e dinâmicas, onde os alunos deverão ter participação máxima. A avaliação deve ser contínua, realizada pelo psicólogo ao longo das atividades práticas.

Simulação de Linha Orientada (LOS)

O objetivo final das três matérias propostas é que o piloto seja capaz de implementar os conhecimentos adquiridos quando realizando um voo real. Para que isto ocorra eficientemente é proposto o uso de simuladores de voo, as ferramentas mais eficazes para união entre teoria e prática no ensino aeronáutico de acordo com Hodge (2016). A Disciplina de LOS será uma aplicação prática do conteúdo das disciplinas de THS e CRM onde o aluno terá a oportunidade de realizar voos simulados em cenários onde as habilidades não técnicas serão altamente necessárias. O treinamento deverá ser realizado em simulador com duas posições – Pilot Flying e Pilot Monitoring – e acompanhado por instrutor com experiência comprovada em atividade de voo com tripulação múltipla. A base para criação das missões, assim como a base para a avaliação da performance dos alunos deverá ser o sistema NOTECHS da JAA, já que é o sistema mais amplamente aceito na aviação mundial atualmente, de acordo com Ruff-Stahl (2016).

Um treinamento eficiente em simuladores de voo deve se utilizar do conceito de educação baseada em competências (HODGE, 2016), assim como o proposto pela ICAO para os programas de MPL (IATA, 2015). Por este motivo, propõe-se ficar a cargo da instituição de ensino a carga horária mínima e o conteúdo das missões do treinamento de LOS, desde que seja comprovado que os alunos consigam adquirir as competências e habilidades necessárias contidas nos quadros do sistema NOTECHS.

Analisando-se o currículo dos treinamentos de programas de MPL homologados pela ICAO (IATA, 2015), porém, percebe-se que para um treinamento eficiente de LOS são necessárias de 20 a 40 horas de simulação, no mínimo.

A viabilidade de implementação desta matéria está diretamente relacionada ao tipo de simulador homologado para este fim, visto que simuladores demasiadamente complexos podem representar um custo inviável para a maioria das escolas de aviação, devendo estes critérios serem analisados em futuros estudos sobre o tema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A partir de análises e pesquisas realizadas compreende-se que o mercado de aviação, há muito, se preocupa com as características dos profissionais que vão além das técnicas e práticas. Os treinamentos de CRM e LOFT/LOS são realidade nas companhias aéreas há mais de duas décadas, principalmente por sua eficácia em moldar pilotos mais reflexivos e humanos, capazes de confrontar situações normais e anormais mantendo uma boa compreensão e se utilizando de todos os recursos humanos e tecnológicos disponíveis.

Ao verificarem que as habilidades não técnicas medem, em certos sentidos, a performance e qualidade do profissional, as companhias aéreas em todo o globo passaram a desenvolver processos de seleção de pessoal capazes de apontar com mais eficiência àqueles que, caso contratados, apresentariam bons resultados. Apesar desta tendência mundial, os cursos de qualificação de pilotos de avião mantiveram suas características, se focando especialmente nas disciplinas técnicas.

Tentativas de se alterar a estrutura do ensino aeronáutico foram adotadas pela ICAO em 2006 com a apresentação da licença de piloto de tripulação múltipla (MPL). O novo sistema se mostra eficiente em formar bons profissionais, com habilidades técnicas e não técnicas bem treinadas e avaliadas, porém, após 10 anos do seu lançamento, a MPL não se mostra difundida a nível global e enfrenta grandes barreiras de entrada, justamente por se tratar de uma mudança extrema no formato dos cursos e colocar as escolas de aviação em segundo plano, já que promove que as próprias companhias aéreas se tornem centros de formação de pilotos.

A proposta apresentada neste estudo busca alterar de forma mais sutil, gradual e viável a estrutura de ensino já utilizada no Brasil, com a adição de três disciplinas à grade curricular do Curso de Piloto Comercial de Avião. O Treinamento de Habilidades Sociais (THS) será fundamental para a criação de uma base mais humana ao profissional, onde através de técnicas específicas, será capaz de manter uma conversação mais orientada, resolver conflitos com maior aptidão, se autocontrolar em situações de emergência, entre outras habilidades interpessoais. Esta disciplina, porém, é realizada fora do contexto aeronáutico, prestando-se essencialmente como pilar teórico-prático para a realização das matérias contextualizadas que virão.

A disciplina de Gerenciamento de Recursos de Cabine (CRM), apresenta as ferramentas necessárias para que o piloto, no contexto do voo, seja capaz de se relacionar de forma otimizada com a tripulação e com os recursos tecnológicos presentes na aeronave.

Altamente difundido na indústria aeronáutica, o CRM é comprovado como uma disciplina válida e, se apresentada ao profissional ainda durante o treinamento básico, será capaz de melhor adaptá-lo aos treinamentos reais encontrados nas companhias aéreas.

Por fim, inclui-se a disciplina de Simulação de Linha Orientada (LOS), realizada em simulador de voo. Esta será a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos nas disciplinas de THS e CRM, onde serão apresentados o voo em tripulação múltipla e às divisões de tarefas no cockpit. Este treinamento será essencial para que os alunos do Curso de Piloto Comercial de Avião tenham seu primeiro contato oficial com o voo contendo comandante e copiloto, prática até então inexistente no treinamento básico, porém, essencial ao mercado de trabalho.

Esta proposta, porém, é elaborada a partir de estudos teóricos e não pode ser tida como válida e eficiente antes de estudos mais profundos e sua validação na prática. A implementação de novas matérias, além da utilização de simuladores de voo irão aumentar os custos dos cursos teóricos e gerar dificuldades ainda não avaliadas.

Espera-se que a partir deste e outros trabalhos, as habilidades não técnicas sejam tidas como mais relevantes no ensino de aviação em um futuro próximo. As novas gerações de aeronaves, cada vez mais automatizadas, aflorarão as necessidades de se formar profissionais capazes de lidar com recursos humanos tão bem quanto com os recursos materiais e tecnológicos.

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                  . Manual do curso piloto privado avião: MCA 58-3. Disponível em:

<http://www.anac.gov.br/acesso-a-informacao/biblioteca/manuais-de-cursos-da-anac- 1/mca58-3.pdf >. Acesso em: 15 out. 2016.

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