ETOPS: A relação entre seu processo acelerado de homologação e o Boeing 777

ETOPS: A relação entre seu processo acelerado de homologação e o Boeing 777

Autor: Matheus Lemes Navarro
Orientadora: Prof. Dra. Anna Paula Bechepeche
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Curso de Ciências Aeronáuticas
Artigo Científico de Conclusão de curso – TCC

Resumo

 O presente artigo visou elaborar uma visão explicativa em torno da filosofia operacional conhecida como ETOPS (Extended Operations), uma operação que envolve aeronaves bimotoras percorrendo rotas remotas de longo alcance, onde fora apresentado seu processo de homologação, também o impasse econômico que este processo se tornou após determinado período de tempo. Conforme a indústria aeronáutica evoluía, operadores buscavam maneiras mais econômicas para se manterem ativos no mercado do transporte aéreo, o que surtiu certo impasse para operações de longo alcance, visto que órgãos reguladores ainda não haviam aprovado nenhuma iniciativa econômica para este tipo de operação. A revisão bibliográfica baseada em marcos históricos e regulatórios mostra o quanto aeronaves como o Boeing 777 já apresentavam tecnologia necessária para sanar os impasses e barreiras estabelecidos pelos órgãos reguladores quando se falava a respeito de uma aprovação ETOPS. Em virtude dos fatos mencionados, o avanço tecnológico, principalmente do Boeing 777, teve sua importância para a aceleração do processo de aprovação em operações ETOPS, quebrando barreiras de homologação e aproveitando o máximo que uma operação de longas distâncias poderia oferecer.

Palavras-chave: ETOPS, Boeing, operação, processo, homologação.

Abstract

 The following article aims an explanatory vision around the operational philosophy known as ETOPS (Extended Operations), an operation that involves twin-engine aircraft performing long-range isolated routes, where will be presented its approval process, and also the economic issues that this kind of process had become after a certain period of time. As the aeronautical industry evolved, operators were looking for more economic paths to keep themselves stable in the air transport market, which lead to a certain dead-lock for long  range operations, since regulatory agencies had not yet approved any economic startup for this kind of operation. The history and law markings literature reviewing showed how aircraft such as the Boeing 777 already presented the technology necessary to break through barriers established by regulations when ETOPS approval comes as subject. Because of these mentioned facts, the technological advance, mainly regarding the Boeing 777, had its role in the ETOPS process approval acceleration, expanding approval boundaries and making the most of what a long-range route operation could ever provide.

Keywords: ETOPS, Boeing, operation, process, approval

 

1.   INTRODUÇÃO

 É fato que o sonho do homem de superar as próprias limitações físicas e, literalmente, alçar grandes voos não é recente (FAJER, 2009). No ano de 1936, já era possível cruzar longas rotas a bordo de aeronaves, possibilitando interligar o mundo de maneira mais rápida, estas aeronaves já possuíam um nível de redundância de grupo moto-propulsão elevado para a época, totalizando o ideal de quatro motores ou mais para cruzar longas e remotas rotas. Tais fatos se deram devido aos grandes avanços tecnológicos pelos quais o mundo passou nos últimos tempos. Após o fim das grandes guerras, aeronaves passaram a exercer diversos papéis na sociedade (MACHADO, 2014), dentre elas, o transporte aéreo regular de longas distâncias.

Porém, este tipo de operação tinha seu custo elevado. Em meados do século XX, era mandatório que rotas remotas deveriam ser cruzadas apenas por aviões com mais de três motores equipados (FAA, 1953, FAR 121.161), isso se dava devido à falta de confiabilidade nos sistemas da época, motores convencionais possuíam uma maior chance de falha em voo. Conforme a indústria aeronáutica se aprimorava através dos tempos, via-se uma busca incessante pela performance e surgia a necessidade de mudanças em operações longas.

Ao sair da era dos motores convencionais para o início dos motores a jato, um avião com apenas dois motores já era capaz de manter a confiabilidade para rotas estendidas com performance similar a de aeronaves quadrimotoras, mantendo uma economia mais acessível ao operador, para isso, precisava-se que parâmetros fossem estabelecidos para manter um nível de segurança elevado nesta operação, já que sua redundância em motores fora reduzida pela metade.

Em 1985, foram estabelecidas as primeiras regras que regiam as operações estendidas em jatos bimotores, o ETOPS, uma filosofia criada visando encurtar as rotas percorridas por estas aeronaves, principalmente rotas que envolviam áreas remotas que dispunham de poucas alternativas viáveis. Para esta operação funcionar, era necessário que a frota bimotora em questão passasse por um rigoroso processo de aprovação, o qual com o passar do tempo, também mostrava barreiras econômicas, visto que a tecnologia embarcada nas aeronaves para a época já mostrava a confiabilidade necessária para as operações estendidas, o que ocasionou em mudanças na aprovação ETOPS, e o Boeing 777 teve um papel muito importante na implantação deste novo processo.

Portanto, para entender como a operação estendida chegou a este patamar, precisa-se analisar todo o seu processo técnico-operacional, quais parâmetros devem ser garantidos para manter níveis de segurança e redundância elevados, apresentar a capacidade da aeronave modelo 777 da fabricante Boeing em questão de nível em operação através de estudos específicos para a mesma e sua importância para os novos métodos de aprovação e regulação de operações estendidas.

Para isso, deve ser entendida a evolução do avião através dos tempos, estudada a necessidade de aeronaves com menos de quatro motores em operações longas sobre áreas remotas, observar os conceitos em torno do acrônimo ETOPS e como se dá a implantação da operação ETOPS na indústria aeronáutica, analisados os fatores que englobam tal operação, analisado o seu processo acelerado para obter uma aprovação neste regime operacional e, por fim, apresentada de forma sucinta a aeronave Boeing 777, mostrado como esta aeronave serviu como marco para mudanças drásticas para este processo de aprovação acelerado (CLARK, 2001).

Este artigo visa uma pesquisa baseada em dados regulatórios e históricos, com um método científico dedutivo, visto que serão apresentados fatos que mostram como o 777 quebrou barreiras estabelecidas pelos órgãos vigentes no âmbito das operações estendidas, utilizando-se da revisão bibliográfica como principal instrumentação para a obtenção de dados. Por fim, mostrar como o Boeing 777 foi importante para a aviação de longo alcance em sua época e atua até hoje nas operações ETOPS mostrando a que veio.

2.   A HISTÓRIA

  Com o avanço aeronáutico, por volta de 1936, ficou perceptível a necessidade, e  assim, a possibilidade de alcançar localidades mais distantes (VISONI, CANALLE, 2009). Porém, havia um impasse: considerando as vastas áreas remotas ao redor do globo e percebendo que era inevitável que seriam necessárias rotas sobre estas áreas, ficou claro que os equipamentos fornecidos na época não ofereciam eficácia, muito menos segurança para percorrer longas distâncias. Motores à pistão demonstravam pouca confiabilidade e eficiência, além de sistemas rústicos nas aeronaves e regulamentações defasadas nos meios de tráfego aéreo. Isto levou a FAA a estipular o FAR 121.161, que dizia que aeronaves com menos de três motores não poderiam se afastar mais que 60 minutos de localidades próximas a costas e áreas remotas (FAA, 1953, FAR 121.161).

Através dos anos, começam a surgir no mercado, aeronaves mais sofisticadas,  maiores, com motores mais potentes, na década de 1950 fora dado o início da era dos quadrimotores à reação. Estes quebraram várias barreiras, afinal, possuíam a segurança necessária para grandes rotas, além de performances muito superiores comparadas a  aeronaves convencionais. Porém, em alguns anos, esta atividade começou a mostrar suas limitações para operações em longas distâncias por vários motivos: consumo de combustível elevado, poucas opções de mercado para operadores, dentre outros. Eram necessários novos estudos para essa operação (BACHTEL, 2013).

Pouco mais tarde, surgiam novas tecnologias, empregando apenas dois motores à reação em aeronaves de porte semelhante as quadrirreatoras. Aeronaves como o então Boeing 767, que teve seu início de serviço na década de 1980, já conseguiam obter performance semelhante de suas antecessoras, porém com um custo menos elevado. Reduzindo este custo, teoricamente, a sua segurança seria afetada, já que a redundância em seus motores fora, então, reduzida pela metade. Com os postos empasses, foi concluído que algo teria que mudar. Apesar da barreira regulatória já era possível utilizar uma aeronave bimotora para realização de missões de longo alcance. Com alta tecnologia para a época, motores mais potentes, porém, mais silenciosos e econômicos, a era do Turbofan teve seu início oriunda da necessidade e busca pela economia (BATCHEL,2013).

No decorrer dos anos 80, com estes fatores econômicos/tecnológicos já se demonstrando como problemáticos para a evolução aeronáutica, a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) iniciou estudos para a implantação de uma nova filosofia para operação bimotora em áreas remotas. Em 1984, é publicado em seu anexo 6, a emenda estipulando Padrões para Operações Bimotoras de Alcance Estendido (ICAO 1984, anexo 6, cap.4). Logo no ano seguinte, a FAA implanta o regulamento 120 minutos, tratando da  mesma operação estendida para 120 minutos em rota (BATCHEL, 2013). É dado o início da era ETOPS.

3.   ETOPS

 Extended Twin-Engine Operations Performance Standards, Extended-range Twin- engine Operations (FAA), ou, atualmente, Extended Operations (ICAO), enfim, todas estas variantes se unem em um acrônimo, ETOPS, tem como definição pela FAA como “operação estendida por voos conduzidos sobre uma rota que contém certo ponto de alternativa à uma distância maior que uma hora de voo, em condições de operação monomotor, em voo de cruzeiro, e condições padrão de atmosfera” (FAA, 2008 AC120-42B).

Todas estas definições circulam em torno do principal conceito de ETOPS, possibilitando o voo sobre rotas remotas à bordo de aeronaves bimotoras a fim de garantir a segurança da operação. Ou seja, sem uma aprovação ETOPS, uma aeronave deve ser capaz de, se ocorrer falha de um motor, aterrissar seguramente em um aeródromo distante até 75 minutos de voo (para aeronaves bimotoras, ou 180 minutos para aeronaves com mais de dois motores), considerando-se velocidade de cruzeiro com um motor inoperante, atmosfera padrão e ar calmo. Portanto, é em função deste limite de tempo que o procedimento ETOPS existe. Seu objetivo é permitir que o detentor de certificado opere suas aeronaves além deste limite de afastamento (de acordo com o Tempo Máximo de Desvio aprovado pela autoridade aeronáutica local), possibilitando voos de longo alcance sobre áreas carentes de aeródromos adequados para alternativas caso haja alguma falha importante em voo. Para este estudo é importante entender, inicialmente, a definição de “áreas remotas” (ANAC, 121.161. 2010).

É bem comum observar uma forma de definir ETOPS como um padrão de operação sobre áreas transoceânicas, o que, de fato, é aplicável, mas não completo. Uma área remota, ou “Área ETOPS de um voo” tem como definição um ponto de rota onde se encontram poucos aeródromos de alternativas cabíveis para a operação de certa aeronave detentora de seu certificado (DESANTIS, 2013), tal ponto, nem sempre, consiste em ilhas no meio de extensos oceanos, podemos levar em consideração áreas de desertos, rotas polares e zonas desabitadas. Entendido isto, agora devem ser abordadas outras definições para futuros esclarecimentos. Todas as definições a seguir são de autoria da Federal Aviation Administration.

3.1  Alternativa ETOPS

 A começar pelo elemento mais importante de toda a operação, o aeródromo de alternativa ETOPS consiste em um campo que preenche todos os requisitos operacionais para aquela aeronave detentora do certificado. Um aeródromo é considerado adequado quando satisfaz os requisitos de performance da aeronave em questão, dispondo ainda das facilidades, dos equipamentos e dos serviços adequados para a operação proposta. Devem ser considerados aspectos como dimensões, resistência e superfície das pistas, obstruções,facilidades, proteção ao público (security), sinalização e auxílios luminosos, auxílios à navegação e aproximação, comunicação, horário de funcionamento e controle de tráfego do aeródromo em questão.

Para que o aeródromo de alternativa possa ser utilizado para alternativa  ETOPS, dentre suas demais conformidades, o campo também deve apresentar condições meteorológicas favoráveis para a operação no momento em que se veja necessária usar de sua alternativa, que se propiciem uma ampla garantia de que a aproximação e o pouso podem ser seguramente completados com um motor e/ou sistemas inoperantes, no caso em que um desvio para uma alternativa em rota torne-se necessário. (ANAC 121.161. 2010)

3.2  Área de operação ETOPS

Consiste em uma delimitação circular, marcada a partir dos respectivos aeródromos de alternativa ETOPS na rota com área estimada baseada no tempo de voo de seu devido certificado. A figura 01 mostra a diferença entre operações ETOPS e não ETOPS, que consiste em círculos partindo de cada aeródromo onde:

Círculos internos delimitam o começo e o fim da área de operação ETOPS. Círculos tracejados definem os limites de área ETOPS para a regra de 120 minutos.

120 minutos ETOPS

Figura 01 – Rota Londres para Nova Iorque sob ambas as regras 60 minutos e 120 minutos ETOPS. Fonte: DUTCHOPS, 2012

 

3.3  Aprovação ETOPS

 Como considerações iniciais para este tópico, é interessante deixar claro que não é somente uma aeronave que recebe a certificação ETOPS perante à fabricante, e sim, a companhia que opera tal aeronave. Isto se dá para que se mantenha um padrão entre as companhias e assim, garantir a segurança na operação ETOPS. Para a obtenção de uma aprovação ETOPS em uma companhia, são necessários dois passos: (ANGEL; PAUL, 2007)

  1. O fabricante da aeronave deve obter uma aprovação com a respectiva autoridade aeronáutica, mostrando o tipo aplicável à combinação avião-motor. O fabricante deve mostrar que este conjunto oferece confiabilidade para o serviço, de acordo com os requisitos para operações de alcance

A aprovação da combinação avião-motor é baseada em uma relação conhecida como “índice de desligamento de motor em voo”, uma relação a nível mundial que estabelece o limite de 0,05 desligamentos para cada 1000 horas de operação em ETOPS 120 minutos e 0,02 desligamentos para cada 1000 horas de operação em ETOPS 180 minutos (FAA, 2008 AC120-42B). Conforme mostrado na figura 02, é possível entender como este índice de desligamento em voo difere as operações ETOPS de outras operações antecessoras, dentre motores convencionais e jatos mais antigos.

 

Horas de voo ETOPS

Figura 02 – Falhas de motor por horas voadas ETOPS. Fonte: ANGEL; PAUL, 2007

 

  1. A Companhia aérea deve obter a aprovação de operação ETOPS, demonstrando à respectiva autoridade aeronáutica que:
    • Pode operar a aeronave de maneira segura em condições ETOPS;
    • Pode manter o alto nível de confiabilidade na composição avião-motor;
    • Conta com programa específico para manutenção ETOPS;
    • Conta com programa de capacitação de pessoal voltado para tal operação em específico;
    • Deve realizar voo de validação
    • Conta com as respectivas autorizações e homologações anteriores da

 

Para a homologação ETOPS de certa aeronave, a companhia em questão deveria preencher os requisitos e manter a operação padronizada limitada, por um período de tempo de até dois anos, a chamada “homologação por tempo de serviço”. Este tipo de processo, apesar de seguro, não proporcionava o maior almejo das operadoras destas aeronaves bimotoras, a economia.

 

4.   PROCESSO ACELERADO DE HOMOLOGAÇÃO ETOPS

Desde o início das operações ETOPS, já era observado que o sistema de propulsão de aeronaves bimotoras apresentava um elevado nível de segurança, o que chegou ao ponto de que o processo baseado por tempo de serviço já não era mais economicamente e tecnologicamente viável. (TCCA, 2012).

Jatos birreatores que planejavam voar ETOPS já apresentavam as mesmas redundâncias em seus sistemas que aeronaves com mais de dois motores. Aeronaves consideradas a segunda geração do voo ETOPS, o Boeing 777 e o Airbus A330 saiam de fábrica com especificações voltadas para viagens longas, de forma que era eliminada a necessidade de modificações para sua homologação ETOPS. Operadores de aeronaves bimotoras de longo alcance que visavam operá-las em regime ETOPS enfrentavam barreiras em seu processo de homologação, levando à certos empecilhos econômicos (CLARK, 2001).

4.1  Processo em serviço

O processo de aprovação comum em ETOPS, ou “processo de homologação por tempo de serviço” consiste em uma operação inicial, logo após o processo de montagem da aeronave, de 75 a 90 minutos em ETOPS, então, após aproximadamente 12 meses de experiência, a mesma aeronave receberia a concessão de operar em 120 minutos ETOPS, este mesmo processo se repetiria para a concessão em uma operação de 180 minutos em alcance estendido (BOEING, 2009). Este tempo de espera não se mostrou aceitável para os operadores das aeronaves, levando as autoridades a repensarem e implantarem um novo processo de aprovação de forma acelerada (CLARK, 2001).

4.2  Definição do processo acelerado

O processo acelerado de certificação ETOPS consiste na aeronave já sair de fábrica aprovada na regra 180 minutos, após o seu início de operação, ela terá a possibilidade, dependendo do órgão regulador, em obter a aprovação para ETOPS entre 207 e 240 minutos para divergências em rota, eliminando a barreira do tempo de serviço requerido. Por fim, após aproximadamente 24 meses de operação em rotas remotas, sendo estas, ao menos 12 meses em regime de 240 minutos, finalmente poderá atingir o maior patamar ETOPS da atualidade, podendo alcançar até 330 minutos neste regime (BOEING, 2009). Podemos obter uma melhor comparação dos dois processos de aprovação ETOPS na figura 03 a seguir.

Boeing 777 método acelerado

Figura 03 – Método de certificação convencional vs. Método Acelerado – Fonte: BOEING, 2009

4.3  Requisitos para aprovação.

 A aprovação de uma operação em ETOPS através de um processo acelerado permite a redução do termo “tempo em serviço” para aeronaves que vão percorrer tais rotas, baseado no programa ETOPS já presente dentro do regime de certo operador.

A certificação célula-motor da aeronave selecionada pelo operador que busca uma aprovação acelerada em ETOPS deve ter seu design previamente aprovado para esta operação perante o fabricante. E, segundo o apêndice C da Transport Canada Civil Aviation (TCCA), determina que deve ser demonstrado dentro do operador, programas que abrangem os seguintes requerimentos para este processo ETOPS:

 

  • Conjunto célula-motor complacentes com os requerimentos de tipo de design para operações ETOPS;
  • Estar em acordo com programas de manutenção que regem as operações sobre áreas remotas;
  • Estar em acordo com um programa de operações em ETOPS e;
  • Apresentar a documentação necessária para

Até então este processo é bastante similar ao então processo por tempo de serviço, suas diferenças principais vem em seu processo de validação.

4.4  Processo de validação

 As diferenças entre um processo por tempo de serviço e o processo acelerado de aprovação ETOPS, se mostram na validação em si, onde o processo acelerado divide-se em cinco fases (CAA, 2008):

  • Fase da pré-aplicação: onde é enviada uma carta pelo operador para o órgão vigente, com 6 meses de antecedência da data de início da operação, este órgão irá encaminhar o processo para um coordenador que dará continuidade. Então, é feita uma reunião entre órgão e operador, onde são discutidos os requerimentos;
  • Fase da aplicação formal: onde o órgão assegura que o operador aderiu aos programas necessários abordados na reunião anterior;
  • Fase da documentação: são revistos os documentos providenciados, os quais devem estar em acordo com a regulamentação vigente, são analisadas e sanadas quaisquer deficiências apresentadas pelo programa, para então ser emitida a aprovação final do programa;
  • Fase de demonstração e inspeção: determina se os procedimentos de treinamento e diretrizes são efetivos para o operador em questão. Os seguintes eventos costumam serem avaliados nesta fase:
    • Conduta dos programas de treinamento;
    • Avaliação do programa de manutenção;
    • Registros;
    • Listas mínimas de equipamentos (MEL) para a aeronave em questão;
    • Avaliações em voo, se necessário;
  • Se a qualquer momento da inspeção forem constadas outras deficiências, é marcada uma nova reunião com a coordenação do órgão vigente para revisão destas deficiências.
  • Fase da aprovação: após todas as exigências cumpridas, todas as deficiências constatadas e sanadas, é finalmente emitida a autorização para o

Apesar destas cinco fases apresentadas mostrarem conformidade com parâmetros estabelecidos em prol da segurança de voo, mesmo o operador ter demonstrado que cumpre todas as obrigações após a própria autorização, através de uma fiscalização no período de 90 dias corridos após a aprovação, isto para garantir que toda a operação abordada no processo continua válida.

5.   BOEING 777, O PIONEIRO DO PROCESSO ACELERADO

 Por volta da década de 90, juntamente com várias companhias de transporte regular, a fabricante estadunidense Boeing já iniciava a produção de um dos seus maiores projetos para a época, o modelo 777 (BATTERSHELL, 1999). A aeronave modelo 777 é um bimotor de grande porte, de alta performance e longo alcance, destinado ao transporte regular de passageiros, apesar de conter variações cargueiras. Projetado inicialmente em parceria com a empresa de transporte aéreo United Airlines e com seu voo inaugural no dia 12 de junho de 1994 e sua primeira entrega em 1995 (BOEING, 1995). Uma aeronave com a capacidade de fábrica de voar longas distâncias e quebrar barreiras até então inalcançáveis com jatos bimotores.

Porém, com altas expectativas, vinham grandes barreiras. Por volta de 18 de maio de 1990, logo após o início da produção do 777, o Administrador Associado da FAA, Tony Broderick afirmara que “Não assinaria nenhum contrato de compra e venda de uma aeronave com uma condição ETOPS 180 saída de fábrica”. E o ceticismo não reinava apenas sobre a FAA, pilotos também tinham suas dúvidas. É fato que uma companhia afirmar que  seu projeto recém-lançado seria capaz de percorrer tamanha distância, com apenas dois motores, e com operação aprovada direto de fábrica era uma jogada de marketing bastante chamativa, mas não passava segurança para os futuros operadores (DESANTIS, 2013).

Via-se certo desconforto do processo de aprovação ETOPS para o Boeing 777. Por outro lado, a FAA ainda na regência de Broderick, que, apesar de cética, já afirmara que em seu papel de órgão regulador iria dar ouvidos aos projetos, mantendo assim sua política de apoiar e encorajar o desenvolvimento da aviação. Tal fato levou que, em 1991, a própria FAA acabara de aceitar o conceito de aprovação ETOPS antecipada como um “conceito viável” após uma proposta encaminhada da Boeing em três volumes para alcançar a aprovação acelerada em ETOPS para aeronaves bimotoras. E para alcançar esta aprovação, a companhia montou um Laboratório Integrado de Sistemas para Aeronaves onde iniciaram seus testes no final de 1992, este laboratório com custo estimado de 370 milhões de dólares visava entregar uma aeronave extremamente confiável para seus clientes.

Mais tarde, na regência do então novo selecionado Administrador da FAA, David Hinson, este órgão anunciara que concederia a aprovação ETOPS para o Boeing 777 e que  seu conjunto aeronave-motor fora aprovado pelos mais rigorosos testes realizados pela FAA. Este processo foi formalizado em 1993, onde foram concedidas “condições especiais” para a aprovação acelerada em ETOPS 180 minutos para o 777, caso a Boeing mostrasse complacência. Era verdade que desde o início da era ETOPS, as aeronaves passaram por muitos e delicados processos de correções de projetos iniciais para se adequarem para tal operação.

A Boeing provou através do 777 que poderia entregar um produto saído de fábrica para o regime ETOPS (DESANTIS, 2013). No ano de 1995, assim como reportado pelo  jornal The Seattle Times, a Boeing, junta à United Airlines, havia conseguido, logo após seu voo inaugural, que ocorreu em 1994, a aprovação de realizar voos em regime ETOPS no ato do início de seu serviço. Era a primeira aeronave na história a conseguir esta aprovação, onde, naquele ato, obteve sua aprovação sob a regra de ETOPS 180 minutos (LANE, 1995).

No ano de 2001, a FAA já havia autorizado a extensão operacional além de 180 minutos de 15% de aeronaves modelo 777 para possibilitá-las realizar rotas via pacífico-norte (CLARK, 2001). Atualmente, a aeronave Boeing modelo 777 possui os maiores recordes de distâncias em rota operando com apenas um motor, voando por mais do total de 3 horas (SOUSA, 2010). Além das mais longas rotas percorridas, estimadas em mais de 17 horas em rota (BBC, 2015). Mostrando, por fim, como a evolução na aviação propiciou estes marcos, proporcionando a globalização e conectando pessoas através do globo.

6.   CONCLUSÃO

 O artigo apresentado permitiu compreender, de maneira explicativa, como a aeronave Boeing 777 foi um marco para a aviação de longa distância, onde atuou como a primeira aeronave da história à ser aprovada para operações ETOPS de maneira acelerada, ou seja, saída de fábrica com a aprovação 180 minutos ETOPS, evoluindo a aviação e tornando o processo de homologação ETOPS mais viável para companhias aéreas que visam este tipo de operação.

De modo geral, o Boeing 777 quebrou uma das mais importantes barreiras logo  em seu início de serviço, a barreira da homologação ETOPS, onde através de rigorosos testes e a mitigação do ceticismo perante órgãos reguladores e pilotos o possibilitou alcançar os mais diversos pontos ao redor do globo através de várias rotas remotas. A pesquisa bibliográfica empregada no artigo com o intuito de explanar como estas barreiras foram quebradas baseando-se no emprego do Boeing 777, evidenciou o sucesso do artigo em alcançar seus objetivos.

Com base em trabalhos de cunho histórico como “ETOPS: Extended Operations, and en route alternate airports” de Batchel, “Sistema de investigação dos acidentes aeronáuticos da aviação geral” de Fajer e “Como Santos Dummont Inventou o Avião” de Visoni e Canalle, pôde-se obter um contexto histórico de como se deu a evolução tecnológica na aviação, voltado ao foco das operações de longas distâncias, e como a economia se mostrou importante para a necessidade de mudanças neste tipo de operação, dando início às operações ETOPS.

Já os órgãos regulatórios como a ICAO, ANAC, FAA, TCCA e CAA, assim como o artigo “Rentabilidad de operaciones de largo alcance con equipos Boeing 767 y 777de Angel e Paul, se mostraram importantes para a explanação de todo o conceito ETOPS e seus subjacentes, levando o foco para os processos de aprovação ETOPS explicados nesta pesquisa.

Por fim, trabalhos históricos e técnicos como “The DOD C-17 versus the Boeing 777, A Comparsion of Acquisition and Development” de Battershel, “Engines Turn or Passengers Swim: A Case Study of How ETOPS Improved Both Safety and Economics in Aviation” de DeSantis, puderam apresentar como a aeronave Boeing 777 teve uma atuação muito importante no contexto histórico e regulatório para o início das aprovações aceleradas em ETOPS.

Dada a importância do tema, torna-se necessário o conhecimento das operações estendidas a fim de estudos técnicos e acadêmicos para diversos públicos, afim de entender a importância da aeronave Boeing 777 em seu contexto histórico e como esta se encontra nas operações atuais.

Neste sentido, a utilização do referencial bibliográfico permitiu o estudo de toda uma operação que envolve longas distâncias sobre áreas remotas percorridas por aeronaves bimotoras, assim como o foco para seus antigos e novos processos de homologação, para por fim, entender e concluir como o 777 foi a mais importante ferramenta para quebrar as barreiras do processo por tempo de serviço.

 

7.   REFERÊNCIAS

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Daniel Passaglia Daniel Passaglia