Qual a importância das Velocidades na teoria de voo?

A princípio, ao falar em velocidades, facilmente lembramos de um carro ou de uma moto. Este é um dos fatores mais importantes que deve-se estar atento no veículo, pois o seu excesso pode até afetar a segurança de quem o conduz e de seus passageiros.

Na aviação não é muito diferente, a velocidade é um elemento muito importante, pois ela determina a segurança ao realizar um procedimento de pouso, decolagem, aproximação, entre outros. Além disso, ela colabora para que os controladores de voo consigam manter uma separação segura entre as aeronaves.

Para uma operação de voo, é importante saber que além da velocidade indicada no velocímetro, há outros tipos de velocidades a serem estudadas, pois o vento, a pressão, e a temperatura do ar atmosférico podem afetar a performance de uma aeronave.

Como este artigo sobre Velocidades está estruturado?

O que é Velocímetro?

O velocímetro é um instrumento de bordo que mede a velocidade do vento relativo externo, ou seja, o resultado da diferença entre as pressões estática e total, cujo é medida pelo sistema Pitot-estático. Nesse sentido, para ser possível absorver essas pressões, o Avião possui uma tomada de pressão estática e uma de pressão total, chamada Tubo de Pitot.

Para a medição do tubo de pitot, existem três tipos de pressões:

  • Estática: é a que não depende do movimento do fluído.
  • Ddinâmica: é causada pelo impacto do ar, sendo correlativa ao vento.
  • Total: é a soma das pressões estática e dinâmica.

Atualmente, em aviões mais novos, os velocímetros são elétricos ou eletrônicos, tendo suas velocidades baseadas em um Air Data Computer (ADC), que é um dispositivo moderno capaz de determinar a velocidade calibrada, número mach, velocidade verdadeira, temperatura total do ar, entre outros. Por outro lado, em aviões a jato antigos e em aviões leves, o indicador do velocímetro é um dispositivo mecânico.

Instrumentos de bordo da aeronave

O que é Velocidade Verdadeira (TAS, VA ou VV)?

A velocidade verdadeira, também nomeada de velocidade aerodinâmica, ou true airspeed, é a velocidade que o avião realmente está voando, ou seja, se trata da calibrated airspeed corrigida para erros de temperatura e pressão do ar atmosférico.

O aumento da temperatura do ar ou da altitude provoca o aumento da VA, pois com isso ocorrerá a diminuição da densidade do ar. Ou seja, a velocidade aerodinâmica é diretamente proporcional a temperatura, e inversamente proporcional a densidade do ar:

VA= temperatura/altitude
_______________________
densidade

Com isso:

  • Em relação a altitude, a VA varia 2% da VI para cada 1.000 ft.
  • Já com a temperatura, a VA varia 1KT para cada 5°C.

OBS: pelo computador de voo é possível descobrir o valor da velocidade verdadeira.

Ao preencher um plano de voo, o piloto responsável, ou dov deve utilizar a TAS como referência para o voo completo ou a primeira parte do mesmo, através das seguintes unidades no item 15 (Velocidade de cruzeiro):

  • Quilômetro (km/h), representado pela letra K seguida por 4 algarismos,
  • Número Mach, representado pela letra M seguida de 3 algarismos.
  • Nós (NM/H – KT), representado pela letra N seguida de 4 algarismos.

Além disso, a MCA 100-11 informa que se houver mudança de velocidade, o responsável pelo plano de voo deverá registrar quando houver previsão de variação em 5% da velocidade verdadeira, ou 0,01 Mach ou mais em consideração a declarada no item 15.

O que é Velocidade Indicada (IAS, KIAS ou VI)?

Em um voo, as velocidades calibrada e verdadeira, quase nunca serão iguais á velocidade indicada (IAS), isso ocorre porque, para determiná-las, aplica-se valores de pressão estática e densidade obtidos através da atmosfera padrão.

Contudo, podemos dizer que a velocidade indicada, ou indicated airspeed, é aquela que vemos diretamente no velocímetro do avião, captada pelo tubo de pitot, sem correção de erros de densidade da atmosfera, indicação e instalação.

Esta velocidade é a empregada em cartas de procedimentos aeronáuticos, como cartas SID, STAR, para procedimentos de decolagem e IAC para procedimentos de pouso e aproximação, bem como a orientada na fonia entre piloto e controlador.

velocímetro de avião mostrando a velocidade indicada

O que é Velocidade Calibrada (CAS ou VC)?

A velocidade calibrada, ou calibrated airspeed, é a velocidade indicada de um avião, porém corrigida de possíveis erros de instrumento e posição do tubo de Pitot em relação ao escoamento de ar. Esta é a velocidade que obtêm-se através da pressão de impacto medida com alta precisão, por isso é mais utilizada em aeronaves que voam em maiores velocidades.

É importante lembrar que caso a aeronave esteja ao nível do mar, ou seja, em condições padrões (ISA), a velocidade calibrada (CAS) será igual a velocidade verdadeira (TAS).

Em aviões que possuem o chamado Air Data Computers (ADC), que existe em velocímetros mais modernos, como os eletrônicos ou elétricos, a velocidade mostrada é a calibrada, tendo sua abreviatura com Vc ou CAS.

tubo de pitot que capta as velocidades
Tubo de Pitot da aeronave.

O que é Velocidade em relação ao solo (VS ou GS)?

A velocidade em relação ao solo, ou ground speed, é o resultado da soma entre a velocidade verdadeira e a componente de vento que atua sob a aeronave. Em outras palavras, é a velocidade em que a sombra da aeronave se desloca no solo.

Em aviões que possuem instrumentos como o global posicioning System (GPS), ou o flight management system (FMS), a velocidade em relação ao solo é apresentada automaticamente.

Dependendo do modelo do velocímetro, esta velocidade pode ser informada em quilômetros por hora (km/h), milhas náuticas por hora (KT) ou milhas terrestres por hora (MPH).

sombra de uma aeronave para representar a velocidades em relação ao solo
Sombra da aeronave.

Além disso, é possível encontrar a VS através do computador de voo para fins de planejamento de voo real e até mesmo para a banca de navegação de PC da ANAC. Para isso, utiliza-se o primeiro caso de vento, que constitui em:

  1. Colocar a direção do vento no true index
  2. Marcar acima do grommet, com um ponto, a velocidade do vento
  3. Girar novamente para alinhar o rumo verdadeiro com o true index
  4. Colocar a VA no ponto que foi feito
  5. Como resultado, ler a VS na linha horizontal em que o grommet está
  6. Ler a CD na linha vertical do ponto marcado

O que é Velocidade de Estol (Vs)?

A velocidade de estol é a menor velocidade na qual o avião consegue se manter estável em um voo, podendo ainda estar no controle do piloto. Segundo os regulamentos da FAR-25, ela não deve ser empregada em voos normais por questões de segurança, podendo apenas ser utilizada em treinamentos em aviões sem passageiros e em simuladores de voo.

Esta velocidade está ligada ao coeficiente de sustentação (CL), que é o valor que indica se a aeronave ainda é capaz de produzir sustentação no ar. Dessa forma, quanto menor a velocidade de estol, maior será este coeficiente, que depende do formato da asa e do ângulo de ataque.

Além disso, utiliza-se slats e flaps, que são denominados de dispositivos hipersustentadores, para o aumento do coeficiente de sustentação e diminuição da velocidade de estol.

aeronave em condições normais e em seguida na velocidade de pré estol
A- aeronave em condições normais.
B- aeronave na velocidade de estol.

Em suma, existem duas abreviaturas determinadas para o estol:

  1. Vso: é a velocidade de estol na qual o avião já está configurado para pouso, com flaps e trem de pouso baixados. Ao realizar procedimentos de pouso, é importante a total atenção do piloto à aeronave, pois nesta velocidade o avião é impossível de ser recuperado se estiver em baixa altitude.
  2. Vs1: é a velocidade de estol em uma configuração em que se deseja, pode ser diferente em cada caso.

Quais são as velocidades relacionadas à decolagem?

Antes de tudo, motor crítico é aquele que possui maior relevância no controle de uma aeronave, e de sua performance. O RBAC 25 determina velocidades relacionadas com a decolagem de uma aeronave da categoria transporte. Sendo assim:

  1. VMCG (velocidade mínima de controle no solo): esta é a menor velocidade corrigida para erros de instrumento e posição (CAS), na qual pode-se obter novamente o controle da aeronave utilizando apenas o leme de direção quando o motor crítico falha. Neste caso, há a falha de apenas um motor, enquanto os outros continuam em funcionamento normal. Esta velocidade é conhecida também como minimum control speed on the ground.
  2. VEF (velocidade de falha do motor crítico): traduzida do inglês engine failure airspeed, esta é a velocidade calibrada na qual o motor crítico é considerado inoperante, e é usada para cálculos de performance. Além disso, não pode ser inferior a Velocidade mínima de controle no solo (Vmcg).
  3. VMCA (velocidade mínima de controle no ar): a VMCA é a menor velocidade (em voo) que pode-se recuperar e manter o controle direcional da aeronave, após a mesma perder o seu motor crítico. Nesse sentido, para que haja redução da VMCA em casos de extrema necessidade, recomenda-se que o piloto empregue uma inclinação de 5° para o lado do motor operante.
  4. VMU (velocidade mínima com manche livre): nesta velocidade ou acima da mesma, a aeronave pode sair do chão e prosseguir com a decolagem em segurança.
  5. Velocidade máxima do pneu: devido a grandes forças que os pneus sofrem em altas velocidades, determina-se esta velocidade através da resistência do pneu da aeronave.
  6. VMBE (velocidade de máxima energia no freio): velocidade máxima no solo em que um avião pode parar com segurança sem que afete a capacidade dos freios. Acima desta, os freios não suportariam, podendo derretê-los ou até mesmo causar um incêndio.
velocidades relacionadas a decolagem

O que é V1 – velocidade de decisão?

É a velocidade em que o piloto deve decidir se irá abortar a decolagem, ou se irá prosseguir com a mesma devido a falha do motor crítico ou de outros sistemas importantes. Até o limite da V1, em caso de desistência de decolagem, o avião não sofrerá danos estruturais. Ao passar da V1, o piloto deve continuar com a decolagem.

Considerando o ponto entre onde ocorre a falha do motor, e o ponto em que o piloto tem atitude para abortar a decolagem, a V1 não pode ser inferior a VEF. E também:

  • Pode ser igual ou inferior a VR
  • Não deve exceder a VMBE
  • Tem que ser maior do que a VMCG, pois assim irá garantir o controle direcional
velocidades de aceleração e parada

Além disso, há os fatores que afetam a V1:

  • Densidade: quanto menor for a densidade, maior será a V1
  • Configuração da aeronave: quanto mais flaps configurados, menor será a V1
  • Peso: quanto maior for o peso da aeronave, maior será a V1
  • Inclinação e vento: se a pista for em declive, a V1 irá diminuir. Se for em aclive, irá aumentar. Além disso, o vento de cauda irá diminuir a V1, e o de proa aumentá-la.

Velocidades: VR e V2

O que é VR – velocidade de rotação?

Traduzida de rotation speed, esta é a velocidade na qual o piloto tem a iniciativa de levantar o trem do nariz da aeronave durante a corrida de decolagem (cabrando o manche). O objetivo é que o avião decole e atinja a V2 a 35 pés de altura da cabeceira oposta.

A VR consta no manual da aeronave, em tabelas e calcula-se através do FMS em aviões que o possuem. Assim como outras velocidades, a VR não deve ser inferior a:

  • V1
  • 1,05 da Vmca (105%)
  • Velocidade em que a V2 possa ser alcançada antes de 35ft da cabeceira oposta
  • Velocidade em que se o rodar o avião em sua taxa máxima praticável, o resultado seja uma VLOF superior a 1,01 da VMU com todos os motores operantes. Caso contrário, se os motores estiverem inoperantes, o resultado deve ser superior a 1,05 da VMU.

Por fim, são os fatores que afetam a VR:

  • Peso: quanto maior o peso da aeronave, maior será a VR
  • Configuração: quanto mais flaps aplicados, menor será a VR
  • Densidade: quanto menor a densidade, maior será a VR
velocidades aerodinamicas
Avião levantando o trem do nariz para decolar.

O que é V2 – velocidade de decolagem e subida?

A V2, ou take off climb speed, é a velocidade na qual deve-se alcançar a 35ft de altura da pista. Ela deve ser maior ou igual do que 120% da Velocidade de Estol quando configurado para decolagem. Da mesma forma, deve ser 110% acima da Velocidade Mínima de Controle no ar (Vmca).

Em uma situação normal de decolagem, ou seja, com todos os motores da aeronave operantes, o avião geralmente sobe com 10 a 15kt acima da V2, nos primeiros segmentos de decolagem. A V2 deve ser alcançada antes, ou na screen height, que é a altura da aeronave no final da decolagem, e pode ser sobre a pista ou sobre a clearway.

aeronave decolando, representando as velocidades V1, VR e V2

Quais são as velocidades relacionadas ao pouso?

O que é Vapp – velocidade de correções na aproximação final?

A Vapp, ou velocidade de aproximação, é a velocidade em que a aeronave se aproxima para pouso, geralmente contada a partir do momento em que a aeronave está abaixo de 1000 pés. Nesse sentido, a Vapp considera que a aeronave já está com configurações de flap e trem de pouso concluídas.

Ao contrário do que muita gente pensa, não é na Vref que se cruza a cabeceira da pista, e sim na Vapp (no ideal de 50ft de altura). Em outras palavras, em um procedimento de pouso, a aeronave atinge a Vapp na aproximação final e em seguida toca no solo com a Vref, que será vista no tópico seguinte.

Sendo assim: VAPP= Vref + correções

Alguns dos fatores que afetam a velocidade de aproximação final são:

  • Condições de vento (rajada, windshear, etc)
  • Flap
  • Peso bruto
  • Configurações anormais de pouso
velocidades: VAPP
Aeronave pousando.

O que é Vref – velocidade de referência de pouso?

A Vref, ou velocidade de referência de pouso, é a qual a aeronave toca o solo. Também utiliza-se Vref-5kt para o toque. Ela sempre será 1,3 ou 30% maior que a Velocidade de estol (Vso), bem como 1,23 ou 23% maior que a velocidade de estol de referência (Vsro). Além disso, a Vref também dependerá da velocidade de estol da aeronave em configurações de pouso, ou seja, do seu peso.

Como dito anteriormente, não cruza-se a cabeceira na Vref, e sim na Vapp. Alguns fabricantes recomendam o cruzamento sendo Vapp=Vref + 5kt, com vento calmo. Já para vento de proa e rajadas, recomenda-se Vapp=Vref + metade do vento de proa, acrescido das rajadas (valor máximo de 20kt).

aeronave tocando o solo para pouso: Vref